O traumatismo crânio-encefálico ou TCE, é o trauma que envolve o couro cabeludo, crânio, cérebro e seus vasos, é uma doença epidêmica no Brasil, com uma alta incidência e impacto social, sendo considerada uma das principais causas de morte na população jovem. No Brasil a incidência aproximada é de mais de 100.000 internações por ano por esta doença, predominantemente na população masculina e jovem. O TCE possui alta morbidade, podendo provocar danos neurológicos graves nos pacientes que sofrem este trauma, impossibilitando muitas vezes que retornem ao trabalha ou a rotina habitual antes do trauma.
O dano neurológico no TCE se da de duas formas, dano imediato pelo impacto com formação de contusões ou lesão das estruturas cerebrais e o dano secundário ou tardio que acontece no decorrer de horas, dias ou semanas, muitas vezes o trauma provoca uma reação tardia, como o crânio é uma estrutura fechada, o aumento da pressão dentro do crânio provoca a compressão de outras estruturas, provocando lesões que muitas vezes podem ser permanentes.
Podemos dividir as lesões do TCE de várias formas, classifica-los entre abertos ou fechados, as abertas acontecem quando há a exposição do tecido cerebral ou do tecido que envolve o cérebro, as fechadas quando não há este tipo de exposição. Também podemos dividir as lesões do TCE entre primárias e secundárias, expomos a seguir as características destas duas:
- Primárias: são as lesões ocasionadas no momento do trauma, imediatamente, são provocadas pelo impacto inicial como agressão ao cérebro. São exemplos de lesões primárias, as contusões e as lesões axonais difusas (LAD).
Contusões: são hemorragias que acontecem no córtex cerebral, ou seja, nas áreas mais superficiais do cérebro, as áreas danificadas podem apresentar edema no decorrer dos dias, apesar deste tipo de lesão ser considerável, muitos pacientes podem se apresentar sem dano neurológico aparente e acordados.
Lesões axonais difusas (LAD): são pequenas lesões que acontecem pela diferença de densidade entre a substância branca e cinzenta do cérebro que quando é submetido a uma força de aceleração e desaceleração apresenta danos em regiões muito importantes do cérebro como no corpo caloso ou no tronco cerebral, este tipo de lesão é uma das causas mais importantes de dano neurológico permanente.
- Secundários: são lesões que podem se apresentar no momento do trauma, mas que se manifestam no decorrer das horas, são exemplos deste tipo de lesão, os hematomas que se agrupam de acordo a sua localização e o inchaço cerebral Hematoma extradural: é o hematoma que se encontra entre a parte interna do osso do crânio e a dura máter, um dos tecidos que envolve o cérebro, geralmente se origina por trauma direto e está associado a alguns tipos de fratura.
Hematoma subdural: este tipo de hematoma se origina entre a aracnoide e a dura máter, ou seja, por embaixo da dura máter, por ser uma área grande pode atingir grandes volumes de sangramento, podem ser classificados por sua vez entre agudos, subagudos e crônicos (mais comuns em pacientes idosos e etilistas)
Hemorragia subaracnóidea: a causa mais comum de hemorragias subaracnóideas é o trauma, mas também podem ser provocadas por aneurismas rotos, malformações artério-venosas, entre outras, este sangramento se encontra entre a aracnoide e a pia máter.
Inchaço cerebral: tem alguns fatores causais, o TCE causa alteração na regulação dos vasos cerebrais, e pode apresentar extravasamento de liquido do vaso para o tecido ou levar a uma vasodilatação generalizada, levando a aumento do conteúdo de sangue no cérebro, aumentando assim a pressão intracraniana.
Os sintomas mais frequentes nos casos de trauma são comuns a outras síndromes neurológicas, mas com a história relatada de trauma necessitamos estar atentos a esses sintomas:
- Dor de cabeçaO paciente com TCE dependendo da sua gravidade, deve ser tratado como paciente politraumatizado, a avaliação inicial deve ser realizada conforme o protocolo do ATLS (advanced trauma life support) visando resolver as complicações de outros sistemas que podem levar a óbito de forma precoce, após o atendimento inicial são solicitados os exames:
Tomografia de crânio: o melhor exame inicial para o TCE, é realizado utilizando raios-X com reconstrução computadorizada, é ideal para avaliar fraturas e hematomas intracranianos, por ser rápido e altamente disponível é o primeiro exame de imagem a ser solicitado na maioria dos casos.
Ressonância magnética: utiliza um imã de grande potência que através de ondas magnéticas e da interação dessas ondas com o tecido, consegue reconstruir as imagens dos órgãos. É um bom exame quando a tomografia de crânio não mostra imagens significativas como nos casos de lesão axonal difusa ou lesões hipóxicas.
Monitorização de pressão intracraniana: consiste na colocação de um pequeno eletrodo intracraniano, através de um pequeno furo, e possibilita a avaliação da pressão intracraniana de forma contínua, alguns tipos de cateter permitem também avaliar o comportamento metabólico da região.
O tratamento do TCE depende de múltiplos fatores como o exame neurológico do paciente, o tipo de lesão e a estabilidade hemodinâmica do paciente, em geral o tratamento é realizado em duas frentes, Suporte clínico neurointensivo e procedimento cirúrgico.
Observação neurológica: boa parte dos pacientes apresentam TCE leve, não necessitando de qualquer procedimento imediato, porém existe o risco do paciente evoluir com piora neurológica, neste tipo de caso a observação neurológica é necessária. Se o paciente não manifestar nenhum tipo de sintoma, pode receber alta com orientações específicas para o paciente e para os acompanhantes.
Cirurgia: a cirurgia é necessária em casos em que é necessária a diminuição da pressão intracraniana, pode ser realizada com a retirada do hematoma que está pressionando o resto do tecido cerebral por craniotomia, que é a abertura do crânio com colocação do osso na mesma cirurgia, colocação de cateter para a monitorização da pressão intracraniana ou retirada de parte do osso do crânio para abrir espaço para o cérebro inchado, este flap ósseo é armazenado, este procedimento é chamado de craniectomia descompressiva, depois do cérebro desinchar, é colocado em uma cirurgia posterior o osso retirado novamente ou substituído por uma prótese.
Suporte neurointensivo: o cuidado intensivo neurológico é fundamental tanto para os casos cirúrgicos quanto para os casos não cirúrgicos. O suporte com cuidados intensivos utiliza medidas para a diminuição da pressão intracraniana ou medidas para evitar este aumento de pressão, assim como utilização de medicações para minimizar o risco de desenvolver outros tipos de alteração. O próprio TCE pode causar alterações nos eletrólitos e no equilíbrio hidroeletrolítico do paciente, por falha na regulação cerebral, o suporte intensivo é essencial para o controle destas alterações além de medidas para o suporte de vida do paciente.
Reabilitação motora e neuropsicológica: O tratamento do TCE está bem estabelecido, porém ultimamente tem se dado grande importância no manejo das potenciais sequelas motoras e neuropsicológicas, dando ênfase a reabilitação adequada, para que o paciente possa retornar às suas tarefas diárias com sequelas mínimas.
O principal fator de risco associado ao TCE é a exposição a situações de risco que potencialmente poderiam apresentar algum trauma, como a utilização de bebidas alcoólicas na direção, imprudência ao dirigir como utilização de telefone celular ao volante ou ao utilizar algum tipo de meio de transporte, exposição a situações violentas como brigas ou esportes de contato. Em cidades com densidade populacional elevada, o ferimento por arma de fogo é bastante frequente e dificilmente evitável. A população mais exposta ao TCE como escrito anteriormente é a população masculina jovem.
A prevenção do TCE é um assunto muito complexo, que envolve inúmeros fatores sociais, educacionais e culturais. As medidas educacionais são as mais frequentes, a orientação aos motoristas quanto ao risco da utilização de álcool e do celular ao dirigir, orientações quanto á diminuição de situações imprudentes como o respeito ao limite de velocidade e instrução acerca da direção imprudente, a adoção de equipamentos de proteção individual em algumas profissões, são algumas medidas educacionais preventivas.
Alguns fatores como a diminuição da violência nas grandes cidades necessitam de políticas públicas específicas.